Elas no comando: mata-mata do Campeonato da Baixada Fluminense põe técnicas frente a frente
Em duelo inédito entre equipes comandadas por mulheres na competição amadora, Jayne Silva e Vanessa Castro tentam avançar em busca do título
O Campeonato Society da Baixada Fluminense é um sucesso no futebol amador amazonense e a edição de 2022, que é a 11ª na história, reserva um encontro especial, inédito e simbólico entre duas mulheres à beira do campo nesta segunda fase. As técnicas Jayne Silva e Vanessa Castro estarão frente a frente neste sábado (22), duelando com suas equipes pela sobrevivência na luta pelo título.
Amigos da Professora Jayne Silva e Amigos FC entram em campo às 17h, no Campo da Baixada Fluminense, no bairro Cidade Nova, zona norte de Manaus, para protagonizarem um jogo histórico para o futebol amador. Será a primeira vez que duas técnicas se enfrentarão no comando de times masculinos na competição. Uma experiente e a outra iniciante.
Elas não chegaram a essa posição por acaso, a história de cada uma fala por si só. Os desafios de ser uma figura feminina de liderança, dentro de um cenário que ainda oferece resistência, são superados com imposição, conhecimento e muita garra, impondo respeito.
Jayne Silva: mais de dez anos de trajetória e aprendizado constante
Comandante da equipe que leva seu nome, a professora Jayne Silva é figurinha carimbada no cenário do futebol amador. Lá se vão mais de dez anos da primeira oportunidade como técnica, em 2011, quando foi campeã invicta de um torneio de futsal masculino, logo de cara. Era um forte indício de uma trajetória promissora para a profissional de educação física.
Desde lá, Jayne participou de diversos campeonatos com diferentes equipes, de futsal, futebol de campo e society, seja de Manaus ou de municípios adjacentes. Hoje, a rotina da treinadora é movimentada, são inúmeras tarefas – como a de apresentadora de programas esportivos – e equipes para chefiar.
“Não é fácil! Agora tenho um filho e tenho que me desdobrar ao máximo pra dar conta do trabalho, estágio, faculdade, filho, programas: Segue o Jogo com I99 e Placar Geral, do Maskate. Além de dois times do Peladão, time de Manacapuru, time em Itacoatiara, time no Rio Preto e o meu na Baixada Fluminense”, contou.
Jayne persegue o objetivo de conquistar o título do Campeonato da Baixada, que bateu na trave em 2021, quando sua equipe acabou perdendo na final para o Amigos do Luquinha e passou perto. Cada vez mais “cascuda”, ela vê como um desafio o fato de chegar ao mata-mata da 11ª edição como a atual vice-campeã.
“O peso pra esse ano é muito maior, por ter chegado na final, a cobrança é maior. Eu pensei duas vezes em por o time pra competir esse ano, justamente por isso. A responsabilidade é triplicada”.
Na primeira fase, o time dos Amigos da Professora Jayne Silva se classificou em sexto lugar na chave 3, com 13 pontos conquistados em nove jogos. A equipe avançou com quatro vitórias, um empate e outras quatro derrotas, marcando 12 gols e sofrendo 11. Orgulhosa do esforço de seus comandados, a treinadora detalha os percalços da campanha.
“A minha equipe nesta temporada está desafiadora, tenho jogadores de longe, que vêm de Manacapuru e Rio Preto da Eva, por exemplo. Fora uma pequena ajuda que tivemos no equipamento, não temos patrocínio, dou conta de tudo. Meus meninos não cobram pra jogar comigo, eles vêm por consideração e respeito. Esse já é o meu maior troféu. A primeira fase foi bastante difícil, a competição é muito complicada e esse ano os times estão bem reforçados”, destacou.
A posição de comando vinda de uma mulher no meio do futebol não é aceita de maneira unânime. Ainda há resistência, mas Jayne conta que passa por cima de qualquer preconceito que possa acontecer e descarta uma rivalidade com Vanessa, reforçando que a responsabilidade do triunfo é dividida com seus comandados.
“Os desafios são enormes, eu já enfrentei muitos preconceitos tanto de homens quanto de mulheres, e enfrento ainda. Eu acho muito legal ver outra mulher na frente de um time masculino eu fico muito feliz por isso, mostra que nós somos capazes de estar na frente de qualquer time em qualquer campeonato. Não acho legal essa rivalidade que as pessoas criam. Quem vai jogar são os jogadores, não nós. Podemos dar as instruções, mas se os jogadores não seguirem, fica difícil”.
Vanessa Castro: a adrenalina da arquibancada para a área técnica
Diferente da colega, Vanessa Castro é novidade na função de técnica e surge como uma das revelações na Baixada Fluminense em 2022. Conciliando com o emprego formal como gerente de uma ótica, ela se descobriu em um novo ofício na paixão pelo futebol e almeja chegar longe logo na primeira experiência como comandante.
Mas tudo começou nas arquibancadas. Há três temporadas, o time Amigos FC, representante do bairro Monte Sião, na zona leste de Manaus, participa do Campeonato da Baixada. Vanessa acompanhava de fora e era torcedora fervorosa da equipe do seu bairro. Até que chegou a temporada de 2022, e diante da falta de um treinador, surgiu o convite para que ela assumisse o comando técnico do time.
“Quando nosso time começou na Baixada Fluminense, ainda não tinha um técnico, todo mundo se ajudava, mas não tava dando muito certo. Aí apareceu o convite, eu ficava ali acompanhando, gritando, orientando. Fiquei assustada, mas não tinha como recusar, porque conheço os jogadores, sei como eles jogam, se comportam dentro de campo”, revelou.
Apesar da surpresa com o desafio inesperado, Vanessa abraçou o projeto e foi abraçada pela equipe, que apresenta uma mescla entre jogadores jovens e experientes. Ela explica a sensação de sair das arquibancadas para ser a figura central da área técnica.
“Quando fui convidada, fiquei bem feliz. É raro a gente ver isso. O time me aceitou, me acolheu, a gente se respeita, todo mundo se ajuda. Eles sabem que eu não tenho tanta experiência, mas estou aí pra aprender, errar, acertar e melhorar, viver o processo. Esse ano tem sido uma adrenalina totalmente diferente, uma coisa é você estar torcendo, gritando e apoiando o time do lado de fora, outra coisa é você estar inserida e ter uma responsabilidade de fazer com que o time tenha um resultado positivo”.
Na chave 4, o Amigos FC finalizou a primeira fase como sexto colocado, com três vitórias, três empates e três derrotas em nove partidas, somando 12 pontos no total. A equipe sofreu 17 gols e marcou 19, finalizando com saldo positivo. Vanessa prega respeito ao falar da adversária, reconhece a experiência, mas acredita na equipe que comanda para o confronto eliminatório.
“Nossa primeira fase foi boa, acredito que saímos bem. Tivemos algumas derrotas no meio do caminho, mas graças a Deus chegamos ao mata-mata e espero que a gente saia com o resultado positivo neste sábado. A gente pretende seguir com o mesmo estilo de jogo, ajustando algumas coisas que tínhamos que melhorar. É um grande feito no nosso futebol amador, duas mulheres comandando times masculinos. Acredito que vai ser uma boa partida. É uma porta que se abre para outras mulheres que pensam em ser técnica, abre os olhos para que as equipes aceitem e saibam que mulher entende de futebol”, reforçou.
A competição
Reunindo 40 equipes em disputa desde junho, o Campeonato Society da Baixada Fluminense paga a maior premiação do futebol amador amazonense, consagrando o campeão com R$ 40 mil e o vice com R$ 10 mil, o pagamento é instantâneo. Porém, o torneio não se destaca somente pela grande gama de premiações, mas principalmente pela maneira como é realizado.
Começando pelo sistema biométrico, que evita fraudes de identidade dos atletas e mantém todos devidamente regularizados. O campo de jogo conta com um telão, que exibe placar, faltas e o tempo. Os avanços também beneficiaram a equipe de arbitragem, que trabalham com ponto eletrônico e podem manter comunicação.
“O Campeonato da Baixada é, sem dúvida, o melhor que temos no Amazonas. Em relação a premiação e organização. Eu sempre uso como referência. Brinco que sou quase uma expert, de tanto acompanhar jogos lá. Eles têm um regulamento muito bom, tenho impresso na porta do meu carro. O Paulo (Harper, coordenador) faz um excelente trabalho e isso dá confiança pra eu por um time, porque sei que é organizado, sei que vão honrar com os compromissos”, revelou a professora Jayne.
Um dos responsáveis pela realização e o correto andamento da competição é o organizador Paulo Harper. As edições anteriores contaram com mulheres comandando equipes, mas nunca houve um confronto até então. Contente com o crescimento da figura feminina no futebol, ele reconhece as valências das treinadoras e conta que Jayne e Vanessa têm uma característica em comum.
“Acho algo muito especial, as mulheres conquistando espaço num território que era dominado por homens até pouco tempo atrás. O ponto forte delas duas é o comando. É impressionante ver os marmanjos saindo calados e respeitando as duas técnicas. As equipes precisam ver para aprender como elas conseguem dominar e controlar a equipe. Levar um time ao mata-mata do Campeonato da Baixada não é pra qualquer um. Mudamos algumas posturas para acolhê-las. Espero que isso sirva de espelho para que novas técnicas conquistem espaço dentro das competições”, concluiu.