Esporte local

Ciclistas criticam novo velódromo de Manaus: “É só uma pista de recreação”

(Foto: Mário Oliveira/Semcom)

Texto: Matheus Pereira e Marcos Dantas

A prefeitura de Manaus está prestes a finalizar a construção de um velódromo na capital amazonense. Segundo a gestão municipal, a obra, que custou R$ 2.697.582,84 milhões, está 85% concluída e será entregue ainda este ano. Em seus canais oficiais, a prefeitura divulga o espaço esportivo como um dos poucos velódromos em escala oficial do Brasil, mas não é isso que apontam ciclistas amazonenses, que estão há quatro meses reivindicando adequações através de uma comissão formada por atletas e engenheiros ligados à modalidade. 

De acordo com um estudo contratado pelos ciclistas, o que eles chamam de “suposto velódromo” não atende a requisitos mínimos de segurança, tampouco às normas técnico-desportivas para a prática competitiva do ciclismo. Ao receber a notícia sobre a realização da pista em conjunto com uma quadra de tênis, os ciclistas locais tiveram acesso ao projeto, e afirmam ter constatado diversas inadequações. Num documento de 28 páginas, propuseram a secretários municipais e dirigentes esportivos que fosse constituída uma comissão visando discutir o projeto. Porém, segundo os ciclistas, a sugestão foi desprezada.

Confira o documento na íntegra

O estudo foi anexado à uma denúncia feita pelos ciclistas, com o objetivo de paralisar o andamento das obras, visando avaliar a possibilidade de revisão, adequação, e até mesmo reconstrução do que já havia sido parcialmente realizado. No documento, os denunciantes ainda apontam que havia solução adequada de projeto para o espaço destinado às obras.

Solicitações não atendidas

Segundo o ciclista Alailton Pinto, que fez parte da comissão, a denúncia foi levada à Secretaria Municipal De Juventude, Esporte e Lazer (Semjel) e ao Instituto Municipal de Ordem Social e Planejamento Urbano (Implurb). Até mesmo o prefeito Artur Neto (PSDB) teria sido contactado, mas nenhuma resposta efetiva foi dada ou posta em prática.

“O prefeito, quando ficou sabendo da situação, solicitou que fossem feitas as mudanças, e durante três semanas as obras ficaram paradas, mas quando retornaram, não alteraram nada nas partes mais importantes, que seriam a retirada da mureta e a angulação das curvas. Não alteraram nada, não sei por quê. Eles têm pouco tempo para inaugurar a obra né, mas ficaram três semanas parados e não fizeram nada disso”, afirmou o atleta.

Documento de velódromos construídos dentro do padrão em comparação ao projeto manauara (Foto: Reprodução)

Ainda segundo Alailton, apesar de os titulares das secretarias terem entendido a necessidade da mudança, nada foi feito, por motivo que os atletas desconhecem.  O ciclista comemorou retirada posterior da mureta citada, que ficava à beira da pista.

“Graças a Deus tiraram aquela mureta. Se você analisar o documento enviado, aquela mureta seria um crime, porque fatalmente, qualquer pessoa que caísse em direção da mureta podia se machucar gravemente”, completou.

Inadequações apontadas

O estudo juntado à denúncia dos ciclistas aponta que ao analisar o projeto à luz das regras CBC para velódromos, alguns requisitos mínimos não foram atendidos. No documento consta que a forma da pista deve ser oval, com duas curvas de 180 graus, por questões das leis da física e da segurança. Ainda segundo o que consta no documento, não há no mundo nenhum velódromo de formato retangular, como o que será entregue. A inclinação das curvas do projeto da Prefeitura, variando de 10,2 a 19,8 graus, segundo os ciclistas, inviabiliza completamente o uso seguro e esportivo da pista.

Estudo aponta falhas no projeto (Foto: Reprodução)

O documento também aponta que apesar do comprimento de 188m estar dentro da faixa definida, a meia-volta da pista, de 94m não é submúltiplo de um quilômetro, impossibilitando a realização de competições nas distâncias oficiais previstas. Como uma pista de atletismo com metragem diferente de 400m, ou um piscina diferente de 50m, exemplos que são citados na denúncia. Ambos os pontos já analisados seriam atendidos com projetos de formato oval, e extensão oficial de 166,7m ou 200m, a qual não seria a medida olímpica de 250m, mas permitiria um uso seguro e competitivo de forma homologada e oficial para competições nacionais e regionais.

Revolta

Ainda de acordo com Alailton a revolta dos ciclistas se dá porque, diferente do que foi prometido, o espaço esportivo não terá as especificações necessárias para a realização de treinamentos e competições de ciclismo.

“O que nos revolta é que nos foi prometido um velódromo, e aquilo ali não é um velódromo, é apenas uma pista de recreação. Vai servir apenas para iniciação no esporte, mas nós não teremos uma opção de sediar provas, e foi divulgado nas redes sociais e na imprensa que a pista seria de padrão nacional e internacional. Da forma como está, nós teremos limitações inclusive de velocidade”, concluiu.

Para o cicloativista e usuário de bicicleta como meio de transporte dário há 15 anos, Keyce Jhones, é preocupante que uma obra tão cara não sirva para o seu propósito. Jhones ainda enfatiza o que chama de propaganda enganosa para os ciclistas e população.

“Esse velódromo se trata de uma pista recreativa, para brincar de circular de bicicleta, por ser uma pista imprópria para treinos técnicos. É algo mais para entretenimento e incentivos, nada como o que a atual gestão tem propagado, que será atrativa para eventos internacionais, por exemplo. Se isso acontecer, seremos chacota mundial por ter uma pista péssima em termos técnicos. É vergonhoso para a cidade. A prefeitura perdeu a oportunidade de fazer algo que voltasse mesmo aos tempos áureos do ciclismos local e internacional, pois éramos referência até a década de 40, quando tínhamos o Velódromo Álvaro Maia, na Cachoeirinha”, lamentou o cicloativista.

Para Keyce, a política de ciclomobilidade em Manaus não tem sido levada a sério, já que, segundo ele, a infraestrutura e incentivos voltados à bicicleta são “vergonhosos”, afirmando que a capital do Amazonas atualmente é vista como uma das piores cidades para quem tenta usar as bikes como meio de transporte.

“Em mais de oito anos de gestão fomos enganados por campanhas e projetos que nunca saíram do papel, apenas para conquistar votos e depois se defenderem dizendo que ‘Manaus não foi preparada para receber infraestruturas para bicicleta’. Só estão fazendo isso agora pra sair da gestão com boa aparência, o que é lamentável para um gestor público. Isso mostra que não são responsáveis o suficiente para entender a necessidade, e até mesmo enaltecer a nossa história, que foi muito valorizada décadas atrás. Manaus era referência em ciclismo e hoje somos uma vergonha, com ciclistas se arriscando em estradas sem nenhuma proteção”, protestou.

CBC fala em formação de atletas

De acordo com a Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC), o velódromo tem o aval para que seja uma pista de utilização e formação de atletas a nível estadual. Ainda segundo a CBC, o local possibilitará a criação de escolinhas para realizar o trabalho de base de competições regionais para explorar as qualidades técnicas dos atletas e fomentar os princípios de pista no estado.

Feciclam diz que projeto está “dentro da realidade” e rebate ciclistas

Em um vídeo de divulgação da obra, postado em junho pela Prefeitura, o presidente da Federação de Ciclismo Amazonense, Juliano Macanoni, aparece dizendo que o projeto foi adequado conforme a realidade local, e confirmou a intenção de trazer competições de nivel nacional e internacional à Manaus.

Vídeo de divulgação da obra, postado em junho nas redes sociais da Prefeitura

“A Prefeitura chamou a Federação para colocarmos a nossa visão em cima da obra. A gente entrou em contato com a Confederação Brasileira de Ciclismo e eles mandaram pra gente o tamanho oficial e conseguimos diagramar nesse terreno o formato ideal dentro da nossa realidade. Além de fomentar o ciclismo de pista, vamos tentar trazer para cá eventos de nível nacional e até internacional”, disse.

Procurado pela reportagem, Macanoni atribuiu as críticas ao que ele chama de oposição natural de “gatos pingados que querem aparecer”.

“A Federação foi convidada pela Prefeitura e opinou de maneira sensata, após consultar a CBC. O ciclista que está em final de carreira, que nunca teve uma oportunidade e nunca sentou numa bike fixa, só pensa na parte negativa, porque ele só pensa nele, e não no fomento à base, que é onde surgem os verdadeiros campeões. Nós estamos preocupados com o futuro do ciclismo, e não com meia dúzia de gatos pingados que acham que deveria ser feito um velódromo como o do Rio aqui, algo inimaginável para uma cidade como Manaus, que vai iniciar uma cultura do ciclismo de pista do zero. Além disso, será um local controlado, onde crianças e adolescentes poderão praticar o ciclismo de forma segura. É melhor andar de bicicleta num ambiente como esse, ou na Avenida Autaz Mirim, no meio dos carros?”, quesitonou.

O presidente também admitiu que o espaço não poderá receber competições da UCI e disse que ao falar sobre competições nacionais e internacionais no velódromo, se referia àquelas homologadas pela CBC.

“A UCI nunca homologaria uma competição internacional aqui porque esse novo velódromo não tem as medidas oficiais para tal. O que podemos fazer é realizar competições valendo dinheiro com atletas de outros países. A própria CBC sugeriu isso. No caso de competições nacionais, se a Confederação decidir que quer realizar uma etapa de um campeonato num velódromo quadrado ela pode, porque ela é a entidade máxima do esporte no país”, completou.

Macanoni comemorou o fato de que essa será a primeira vez que a Federação terá uma sede própria.

“A Federação terá sua sede própria e isso nunca foi feito. Durante anos, a federação foi na casa dos presidentes ou numa sala cedida por secretários em troca de favores. Recebemos uma carta da CBC parabenizando a Prefeitura pela obra e confirmando que o presidente virá a Manaus para a inauguração”, concluiu.

Andamento das obras

Ainda de acordo com a gestão municipal, a área da pista é de 1.859 m² e tem inclinação de 1% na pista de aceleração, além de 18% a 36% na de corrida, sendo 18% nas retas e 36% nas curvas. A acessibilidade para pessoas que utilizam cadeiras de rodas, segundo a Prefeitura, estará garantida com a construção de rampas de acesso. A obra conta ainda com paisagismo, urbanização das ruas no entorno e ciclofaixa com acesso à Avenida Brasil, a mais importante via da Zona Oeste da cidade.

Pista de acesso é um dos pontos que inviabilizariam a realização de competições, segundo ciclistas
(Foto: Mário Oliveira/Semcom)

“O que está faltando é apenas a concretagem do circuito, que será iniciada esta semana, e depois disso só a fase de acabamento. Acreditamos que até a primeira quinzena de novembro o prefeito deverá entregar essa importante obra, mais uma das muitas que estamos realizando com melhorias, que vão impactar positivamente a cidade”, disse o secretário municipal de Infraestrutura, Kelton Aguiar, através da assessoria de comunicação do poder municipal.

Segundo a Prefeitura de Manaus, além da pista de ciclismo, o espaço também terá uma quadra de tênis, bicicletário e prédios administrativos, onde devem funcionar as sedes das federações estaduais de ciclismo e tênis, as quais vão desenvolver atividades voltadas ao esporte de iniciação em busca de revelar atletas para as modalidades. No local, os esportistas também vão dispor de vestiários e os torcedores de duas arquibancadas, sendo uma para cada modalidade, além de banheiros.

Resignação

Para o ciclista Alailton Pinto, não há mais o que fazer.

“Não cabe reclamar mais. Nós fizemos nossa parte nesses quatro meses em que estamos nessa luta”, disse.

Alailton destaca ainda a relevância do ciclismo praticado no velódromo, em competições importantes como a Olimpíada.

“Sabemos que a modalidade de pista está para o ciclismo assim como a piscina está para a natação e a pista de corrida está para o atletismo. Para se ter ideia, no ciclismo são disputadas 24 medalhas no velódromo, e as outras duas são na estrada e contra o relógio. Então a probabilidade de termos medalhistas em provas de pista é bem maior. Mas não há mais o que fazer, fica apenas o nosso protesto. Infelizmente, está mais fácil trabalharmos nas próximas legislações e consertar o que foi feito de errado”, finalizou.

O Portal Esporte Manaus entrou em contato com Secretaria Municipal de Comunicação (Semcom) para saber detalhes sobre a obra e o posicionamento do poder público a respeito das críticas dos ciclistas, porém até a publicação desta reportagem, somente alguns dados da construção do velódromo haviam sido enviados.

Velódromo do Rio, citado tanto pelos ciclistas, quanto pela Feciclam (Foto: Divulgação)

2 comentários sobre “Ciclistas criticam novo velódromo de Manaus: “É só uma pista de recreação”

  • Presente de grego esse que a Prefeitura está dando para Manaus . Nós atletas que amamos esse esporte não merecemos essa tratativa. Afinal de contas nós é que fazemos o esporte acontecer. No final sermos chamados de esterco por um dirigente de equipe que apoia essa pouca vergonha. Lamentável . Exigimos respeito.

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  • O conclusão eh fácil:
    Pista oficial – atende as crianças, aos atletas de base, aos atletas de elite e master. Eh possível realizar campeonatos brasileiros, panamericano e mundial.

    Pista irregular (atual) – soh serve para recreação e iniciação. Não pode receber nenhuma competição oficial, somente rachões valendo dinheiro, conforme disse o presidente e a CBC (Santo Deus).

    Custa da obra oficial: 2,7 milhões
    Custo da obra não oficial: 2,7 milhões

    Daí eu pergunto: pqp porque não fizeram a pista oficial, nós nortistas temos que passar vergonha a vida toda, como essas lambanças.

    MPF, MPE, TCU isso eh mal uso do dinheiro público, façam o dever de casa.

    Os responsáveis por isso tem que ser presos.

    Resposta

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